Álvaro Gradim, presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP), entidade com 250 mil associados, salienta que a proposta da Reforma Administrativa Federal, objeto da PEC 32, pode levar ao desmonte do serviço público. “Com isso, possibilita aos governantes a liberdade para contratação direta, em larga escala, o que favorece o apadrinhamento político e o uso de cargos como moeda de troca, reforçando antigas práticas fisiológicas”
Não há necessidade de instituir tal mecanismo, pois a Constituição já admite nomeações em cargos de livre provimento para as funções de assessoramento, chefia e direção, atendendo ao direito dos chefes dos Três Poderes de contratarem pessoas de sua confiança. “No entanto, a PEC 32 transforma a exceção em regra, sugerindo que a maioria dos cargos passe a ser de livre provimento”, explica Gradim, afirmando que “essa distorção ameaça a isonomia, a imparcialidade, a eficiência e a moralidade, atributos que inspiram os preceitos constitucionais e republicanos”.
É grave o fato de a proposta de Reforma Administrativa atingir exatamente os servidores que mais trabalham e prestam serviços diretos à população, como professores, médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, policiais, pesquisadores dos institutos e universidades, atendentes de repartições como as do INSS, assistentes sociais, escriturários e outros profissionais que atuam em atividades importantes para a sociedade, principalmente para a parcela de menor renda. “Alguém realmente acredita que são esses funcionários os que ganham altos salários?”, questiona o presidente da AFPESP, lembrando que “sucessivos governos tentam distorcer a imagem desses trabalhadores, como tem feito o atual de modo enfático, ao repetir acusações maldosas de ‘parasitas’ e ‘preguiçosos’ contra uma categoria que está na linha de frente da luta contra a pandemia da Covid-19”.
Para Gradim, “o que se assiste e se materializa na PEC 32 “é uma estratégia para suprimir direitos, congelar remunerações, eliminar garantias e ferir a honra dos servidores, obtendo-se aval para a reforma, notadamente da iniciativa privada, à qual interessam livres nomeações e terceirizações”. Por isso, “é preciso eliminar a estabilidade, mesmo à custa de ignorar direitos expressos na Constituição”.
Por que a estabilidade?
O governo alega que a estabilidade deixará de existir apenas para alguns cargos sem, no entanto, definir quais. Argumenta-se que haveria uma flexibilidade, mas esta, a rigor, já existe. Desde a Emenda Constitucional 19/1998, foram implantados mecanismos para tornar a estabilidade menos rígida, cabendo aos superiores hierárquicos proceder às avaliações regularmente, tendo como critério justamente a eficiência. A partir de então, é possível a demissão por desempenho insuficiente, observado o processo administrativo que, na presente proposta de reforma e ante o fim da estabilidade, poderá deixar de existir ou perder força.
“A estabilidade não é um escudo do servidor a encobrir possível desempenho insatisfatório. Sua inspiração veio da legislação norte-americana, em virtude da constatação de que, cada vez que mudava o governante, trocava-se todo o corpo técnico, com prejuízo para a qualidade e memória dos serviços”, explica o presidente da AFPESP, afirmando: “O servidor tem de ser estável porque os governos são transitórios”. De acordo com especialistas, não há fatores que justifiquem o fim da estabilidade e o desmonte administrativo que haveria com a aprovação da PEC 32/2020.
Mais uma redundância
A proposta visa, também, modificar os atuais limites para despesa com pessoal, contrariando a Lei Camata (nº 82/1995), de autoria da ex-deputada Rita Camata. Ou seja, não é necessário legislar sobre dispositivo já existente e que, se é desrespeitado, não é em função dos salários dos concursados, mas sim dos cargos de livre provimento de pessoas contratadas em cada nova administração.
“Outra alteração grave proposta pela PEC 32 consiste em mexer na jornada dos servidores, com redução de sua remuneração quando a autoridade constatar desequilíbrio das contas. Isso é absurdo”, afirma Gradim, ponderando: “Isso retira a segurança dos servidores para planejar sua vida e a de seus dependentes. Ademais, quais serão os critérios para se balizar a redução salarial? Ou seja, se houver gastos indevidos, mau emprego das verbas, despesas voluptuárias dos governos ou de qualquer forma ocorrerem gastos excessivos, o que ocorre com frequência, o servidor pagará a conta”.
Funções extintas
Outro argumento distorcido da PEC 32 diz respeito a cargos referentes a funções não mais existentes, como, por exemplo, de operador de telex. Porém, já há decisões administrativas no sentido de que a extinção de cargos, funções ou empregos deve ser feita, em regra, por meio de lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo, ou por meio de decreto.
No caso do Executivo Federal, a autorização está inserida nos incisos VI, “b”, e XXV do artigo 84 da Constituição, sendo desnecessária a reforma também neste tema. Dispõe o artigo 41 da Carta, no parágrafo terceiro, que o servidor estável deverá permanecer em disponibilidade se o cargo for extinto ou for declarada sua desnecessidade, assegurada a remuneração na forma do dispositivo, até adequado aproveitamento em outro cargo.
Assim têm agido prefeitos e governadores, com o amparo do princípio da simetria. Vale dizer que o teor das decisões e da própria norma constitucional desmonta a alegação de que o aproveitamento do servidor pode configurar desvio de função. Considerados todos esses pontos, são inconsistentes os argumentos do Governo Federal.
Na contramão dos interesses da sociedade
“O governo caminha na contramão do anseio popular. Afinal, os brasileiros nunca precisaram tanto do Estado, ou seja, dos servidores que lhes atendem diretamente, neste momento tão grave, em que é essencial garantir o bem-estar social, traduzido por mais serviços públicos eficientes e com excelência”, frisa o presidente da AFPESP. Por isso, diz esperar que “deputados federais e senadores impeçam a aprovação de um proposta com foco errado, justificada equivocadamente na correção de um rombo fiscal de responsabilidade única dos gestores do dinheiro público”.